sábado, abril 29, 2006

Medicina Árabe: ciência, religião, filosofia e arte

O hospital árabe era local de enorme efervescência cultural e científica, servindo a propósitos variados além da atividade médica.

A expansão do mundo árabe iniciou-se a partir da unificação dos diversos povos que habitavam a península arábica. Inicialmente, os semitas árabes uniram-se aos sumérios, originando a poderosa civilização babilônica. A unificação política e religiosa foi possível a partir das revelações de Maomé, que deram origem ao islamismo: religião monoteísta fundada sobre os ensinamentos do Corão – livro sagrado do Islã. Os primeiros 250 anos após a Hégira – fuga de Maomé para Medina – assistiram a um extraordinário desenvolvimento da cultura árabe.

O contato entre a cultura árabe e a grega, com suas teorias médicas, iniciou-se antes do nascimento de Cristo. No século IV a.C. já havia iniciado o contato entre estas duas culturas, com a migração de um grande número de médicos gregos para a Pérsia, a partir das conquistas de Alexandre Magno. Em 76 d.C., a destruição de Jerusalém pelos romanos levou os judeus a fugirem em direção à capital persa, Gundishapur, onde se estabeleceram, com uma grande quantidade de textos da época. Com o domínio da Igreja Católica sobre o Império Romano, a Academia de Atenas é fechada pelo Imperador Justino, em 529 d.C., levando a maioria dos filósofos gregos a procurarem abrigo na capital da Pérsia.A perseguição a Nestório, patriarca de Constantinopla e seus seguidores, com a acusação de heresia, em 431 d.C., levou-os a fugir para o Oriente Próximo, onde construíram um hospital, em Edessa, e posteriormente outro em Gundishapur, em 489 d.C., que tornou-se berço da medicina árabe.

MÉDICOS
Os médicos árabes começaram a adquirir relevo apenas com o aumento da importância de cidades como Alexandria e Gundishapur. No início, os médicos praticantes eram cristãos ou judeus. As mulheres possuíam um papel extremamente importante dentro da medicina árabe, assim como entre os gregos e os romanos. A prática da obstetrícia e da ginecologia era reservada a elas, com a intervenção do médico apenas nos casos mais complicados.

Os médicos árabes mais famosos foram al-Rhazes e Avicena, do califado oriental e Avenzoar, Averróis e Maimônides, membros da Escola de Córdoba (Espanha), a capital do califado ocidental.

Abu Bakr Muhammad ibn Zacaria, conhecido como al-Rhazi (860-932), era persa e estudou medicina em Bagdá. Produziu inúmeras obras sobre matemática, astronomia, religião e filosofia. Porém, mais da metade de suas 237 obras versavam sobre medicina.

Abu Ali al-Husain ibn Sina, conhecido como Avicena (980-1037), nascido em Bukhara, era um garoto prodígio. Memorizou todo o Corão e diversas poesias árabes aos 10 anos. Aos 16 afirmava conhecer toda a matéria médica. A obra-prima de Avicena foi uma compilação dos ensinamentos médicos de Hipócrates e Galeno e biológicos de Aristóteles, denominada Cânone (al-Quanum). Sua obra, apesar de muito criticada, serviu como o primeiro tratado médico utilizado pelas universidades européias.

No século X, a cidade espanhola de Córdoba tornou-se o centro cultural da Europa. A população de mais de um milhão de habitantes dispunha de cerca de 52 hospitais.

Abu Mervan ibn Zuhr, conhecido como Avenzoar (1113-1162) nasceu em Sevilha, sendo descendente de uma abastada família de médicos, destacando-se por seu espírito crítico e dedicação às experimentações.Abu Walid ibn Rushid – Averróis (1126-1198) era cordobês e aluno de Avenzoar. Era mais conhecido como filósofo aristotélico que como médico. Estudou jurisprudência, filosofia e medicina, tornando-se magistrado em Córdoba e Sevilha. Seu texto médico mais famoso é o Colliget ou Coleção (Kitah al-Kullyat), que trata de comentários sobre o Cânone de Avicena.
Abu Imram Ibn Maimun, Maimônides (1135-1204) também era cordobês e aluno de Averróis. Ficou também mais famoso como filósofo e talmudista que como médico. Sua obra médica mais conhecida foi Aforismos (Fusul Musa), uma coleção de 1.500 aforismos baseados em obras de Galeno e suas observações pessoais.

ENFERMIDADES
Os muçulmanos acreditam que Alá possui o poder para ocasionar a doença, assim, a oração era vista como uma forma milagrosa de promover a cura. A atuação do médico e da ciência no processo de cura era visto como uma forma de manifestação da vontade divina. Acreditavam na existência de uma vida após a morte, onde o fogo vital, que mantém o corpo vivo, se reavivava e recebia as sanções do paraíso. Desta forma, foi instituída a proibição da dissecção de cadáveres. Devido a isto, os médicos passaram a realizar o procedimento em porcos e cães, e, com a ajuda dos textos de Aristóteles, Hipócrates e Galeno, estabeleceram comparações que levaram a teorias originais sobre a constituição dos órgãos internos.Os médicos árabes utilizavam fundamentalmente os critérios greco-romanos para o diagnóstico das doenças. Baseavam-se em seis critérios: comportamento do paciente; observação das fezes; observação das secreções corporais; existência de tumorações; caráter e localização da dor. No entanto, também utilizavam-se de métodos desconhecidos dos gregos, como o estudo cuidadoso do pulso, provavelmente aprendido com os médicos chineses. Também lançavam mão da Astronomia, que, como ciência natural, tinha grande importância.

O estudo da urina tinha importância capital, chegando a determinar qual a enfermidade, o prognóstico e até a pauta de tratamento. O movimento do sangue foi um capítulo importante entre os médicos árabes.

SAÚDE PÚBLICA E HOSPITAIS
O hospital árabe era um local de enorme efervescência cultural e científica, servindo a propósitos variados, além da atividade médica. Possuíam fontes, salões de leitura, bibliotecas, capelas e dispensários. As escolas médicas introduziram um grande número de drogas (químicas e herbáceas). Entre os medicamentos introduzidos pelos árabes destacam-se o âmbar, almíscar, cravo-da-índia, pimenta, gengibre, noz-moscada, cânfora, sena, cassis e a noz-vômica. Desenvolveram métodos de extração, técnicas de destilação e cristalização, que possibilitaram o estudo e desenvolvimento de medicamentos até então desconhecidos, além de serem essenciais à formação da farmácia e da química.

Casas e ruas eram limpas e as cidades possuíam saneamento. O ensino médico e a organização sanitária levou a um progresso rápido e acentuado. As primeiras leis higiênicas importantes são atribuídas à Maomé.

Há registro de mais de 34 hospitais em todo território islâmico. O primeiro de Bagdá foi fundado pelo califa Harum al-Raschid, no século IX. Mas o hospital de Bagdá, fundado pelo califa Al-Mutkadir, foi o maior do século X. Al-Razi praticou e ensinou nele. Foi onde implantou o princípio de se recolher e guardar as histórias clínicas para serem utilizadas em discussões de casos, no aprendizado.

O hospital de Damasco foi o mais suntuoso. Servia também de escola médica, com uma das maiores bibliotecas da época. O hospital Mansur, no Cairo, foi construído em 1823. Os convalescentes eram internados em pavilhões, organizados em orfanato, biblioteca e enfermarias especiais, que atendiam feridas, afecções oculares, diarréias, transtornos da mulher e febres. Cada paciente recebia uma ajuda de cinco moedas de ouro para cuidar da família até sua volta ao trabalho.

Os médicos de renome atendiam apenas aos ricos e nobres. Uma prova disto é a importância extrema que foi dada ao fato de al-Razi atender aos pobres de graça.

ENSINO MÉDICO

Os califas se tornaram defensores ardorosos das escolas e da ciência. Nas escolas médicas, as principais matérias eram filosofia, teologia e matéria médica. Também eram estudadas matemática, química e física, que se tornaram a principal paixão médica, fazendo com que a medicina voltasse a ser hipocrática, ou seja, baseada na experiência e na lógica.
Em todo o território dominado pelo Islã, o hospital era dirigido por um médico, que comandava outros médicos e dava aulas para estudantes. Estes, somente eram considerados médicos após um exame minucioso, que poderia ser realizado após anos de estudos regulares. Para assegurar que a medicina não seria exercida por charlatães, foi criado um departamento de fiscalização das profissões, o Hisba. O Muhtasib, chefe desse departamento, fiscalizava os médicos, cirurgiões e dentistas, verificando se tinham conhecimento suficiente.
O conhecimento árabe, ensinado nas escolas médicas, foi uma junção dos conhecimentos persa, caldeu, hindu, chinês e grego antigo. Este último, baseado em Hipócrates, Galeno, Dioscórides, Oribasio, Alexandre de Tales, Paulo de Égina e, principalmente, Aristóteles.


FONTE DE CONSULTA: SANTOS, Vivianne – Revista Hebron Atualidades – nº 21 – jan/fev 2006.Referências bibliográficas: - SOURNIA, Jean-Charles. História da Medicina. (Lisboa): Instituto Piaget.- Enciclopédia Familiar da Saúde – Guia Completo das Medicinas Alternativas. Edilibro, S.L., Navarra. Clube Internacional do Livro, Brasil. Condensado por Beatriz Marcos Teles, terapeuta holística.- OSAWA, George. A Filosofia da Medicina Oriental – Associação Macrobiótica de Pôrto Alegre – 1969.

2 comentários:

Anônimo disse...

Amiga! Interessantíssimo esse artigo!
Como é bacana conhecer a cultura de outros povos, nao?

Um abraço!

Anônimo disse...

muito bom este artigo. será que foi um sheik que inspirou?
beijo